Conexão DF: A Morte do Livro, nova crônica de Maurício Gomyde
Foto: Fred Kearney/Unsplash
*por Maurício Gomyde
A morte do livro já foi profetizada, anunciada, dada como certa inúmeras vezes e até, em alguns casos, celebrada. Isso não é de hoje. A cada nova tecnologia surgida, quão maior é a velocidade da informação e quanto mais urge a necessidade de as pessoas consumirem tudo para ontem, crescem exponencialmente as chances de o livro perder a guerra pelo ativo mais poderoso do Século XXI: a atenção. Afinal de contas, o livro requer silêncio, espaço, concentração, o encontro da pessoa com ela mesma, a habilidade de pensar com a mente dos personagens e digerir suas motivações. Nesse cenário, competir com um celular – que traz dezenas de novidades a cada refresh da tela – parecerá sempre uma luta desigual.
Entretanto, diversas pesquisas revelaram um aumento significativo das vendas de livros no Brasil durante a pandemia. Notícia alvissareira, de ainda manter alguma esperança na salvação de almas tão judiadas pela tecnologia, pelas fake news e pelos memes. O hábito da leitura, feito um Davi lutando contra todos os Golias da modernidade, manteve-se como parte ou foi incorporada à rotina de muita gente durante os lockdowns obrigatórios ou autoimpostos. Isso, claro, não significa que, ao fim da pandemia, as pessoas vão seguir no hábito. Mas a literatura, muitas vezes, precisa apenas de um empurrão inicial.
Por óbvio, sou um defensor ferrenho do livro. E não estou nem entrando no mérito da eterna e desnecessária disputa entre o livro digital e o físico. Tampouco se os leitores vão se conectar por meio de clássicos como Dom Quixote, Guerra e Paz, Grande Sertão Veredas, ou se por meio do último primeiro colocado na lista semanal do New York Times. Ainda menos, por contraditório que seja, se a leitura dar-se-á por um livro comprado ou baixado. Pouco importa como as histórias vão chegar, desde que cheguem para ficar.
Se algum dia duvidamos de que uma tragédia como a proliferação de um vírus sem cura pudesse trazer algo de bom, talvez esteja aí um dado a contradizer as teses. Porque a pandemia nos impôs o silêncio. E aí, meus caros, quando as portas se fecharam, abriram-se as janelas para o reencontro com nosso interior, com as fantasias e os medos que nos assolam. E nada mais poderoso para preencher vazios do que as histórias. Eu acredito no poder da história e na potência dos livros. Quando eles nos pegam de jeito é impossível abandonar. Tal qual uma droga invertida, nesse caso, quanto maiores as doses, melhor.
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Maurício Gomyde é escritor com romances publicados em 6 países e foi finalista do Prêmio Jabuti em 2016. Tem 7 livros publicados. Em 2020 sai seu novo romance "O Cidadão de Bem".
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