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Literatura

Marcelo Cavalcante: O Drible

Por: SIDNEY NICÉAS
Marcelo Cavalcante utiliza a ficção num jogo real, Sport x Santa Cruz, e usa a metáfora para espelhar o momento atual.

Foto: Reprodução/globoesporte/Arte Tesão Literário

12/04/2022
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*por Marcelo Cavalcante

O nome no diminutivo poderia contrastar com o seu futebol de gente grande. Mas, na verdade, honrava a tradição desse apelido carinhoso era atrelado aos atacantes rápidos e que infernizavam a defesa adversária com dribles desconcertantes e ousadia. Não tinha bola perdida. Nem medo da cara feia dos zagueiros. E tinha ainda a particularidade de jogar com a perna esquerda. Como bom brasileiro, entrava em campo com a fome de vencer e fazia de tudo para conquistar a vitória. Era um humilde brasileiro como todos aqueles que lotaram as arquibancadas do estádio do Arruda, na final do Campeonato Pernambucano de um certo ano em que se respirava romantismo no futebol.

Da arquibancada, João via seu time entrar em campo sob chuva de papel picado. Emoção forte que aumentava ao ver o sorriso do seu Joãozinho, que pela primeira vez adentrava naquele universo. Naquela noite, o desemprego estava esquecido. Para João, o importante era ser feliz com o Sport campeão, especialmente se tivesse gol do atacante ídolo e homônimo.

Ao pisar no gramado, o ponta-esquerda estava emocionado com o colorido do Arruda, o papel picado e o grito da torcida. Era uma partida especial em que ele queria fazer história. O gol do título coroaria sua carreira no futebol pernambucano, que havia iniciado quatro anos antes, no clube rival da cidade. E por mais que já vivesse situações assim, o nervosismo batia. Afinal, a vida é feita também de recomeços.

João pai tentava desligar a tomada da sua realidade que recomeçaria na manhã seguinte. Teria que buscar um novo emprego ou um serviço temporário para que pudesse colocar as três refeições em casa. Só estava na final do Campeonato Pernambucano naquela noite porque a família conseguiu emprestado, já que o prazer, a alegria e a satisfação era ver Joãozinho feliz. A bola rolava e o garoto feliz por estar naquela atmosfera mágica no futebol. Se via no campo, driblando, fazendo gol, comemorando...  

Lá pelas tantas, o rápido atacante apanhou a bola e sentiu que poderia fazer a torcida explodir em alegria. Portanto, fez o que sabia: partiu para os dribles. Passou pelo primeiro e percebeu os defensores em alertas, loucos para segurá-lo de qualquer jeito. João e Joãozinho se ergueram. No estádio lotado, o pai colocou o filho nos ombros. Naquele processo de erguê-lo, não viu o atacante aplicar o segundo drible.

O horizonte abriu à frente do atacante, que passou a enxergar melhor as possibilidades, as oportunidades que poderiam mudar a sua história. João respirou ofegante, encheu-se de confiança de que seu ídolo se livraria da pelota, acertando um petardo no ângulo. Joãozinho fazia figa com as duas mãos com toda força que era capaz, como se aquela intensidade emitisse cada vez mais precisão no chute que todos esperavam que o atacante faria. Veio o terceiro marcador. Com a cabeça erguida, já sabia o que fazer, e sem medo algum de ser feliz, pois estava convicto do sucesso da jogada, colocou entre as pernas do zagueiro, que ficou atônito, perdido.

Mais um trato na bola, cresce a confiança, as passadas ficaram mais largas. À sua frente só havia o goleiro. João e Joãozinho se antecipavam ao lance e já se esgoelavam no grito de gol. No entanto, o atacante, que chegara até ali passando por todas as barreiras, percebeu que o goleiro saía da barra na base do desespero. Então, esperou ele chegar mais próximo e, num corte seco, fez ele passar direto, sem sequer triscar a bola. A trave estava escancarada. O atacante poderia entrar no gol com bola e tudo, mas de soslaio, viu o goleiro se reeguer e voltar loucamente para salvar o gol que já era certo.

O atacante mostrou frieza. Antes do arremate final, deu novo corte seco no goleiro, que passou direto, como um carro desgovernado. A certeza do gol o fez abrir um leve sorriso. E soltou o petardo... Inacreditável... A bola explodiu no travessão!!!

O grito que ecoava na arquibancada era de frustração. E o atacante resolveu desistir. Deu as costas aos companheiros, ao jogo, e seguiu em direção ao vestiário. João e Joãozinho decidiram o mesmo. Hora de voltar para casa. Não viam como vencer o adversário.

Somente em casa, assistindo aos Gols do Fantástico, souberam que o Sport conseguiu a vitória do título. E que o atacante frustrado havia voltado a campo para ajudar o time a levantar a taça de campeão. Comemoraram com certa frustração. Então, João fez a promessa de voltar ao estádio de futebol com Joãozinho, mas com uma condição:

- Seja qual for a situação, não vamos desistir. Só deixaremos o campo no apito final do Juiz!

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Marcelo Cavalcante é escritor, jornalista e cronista esportivo. Apaixonado por futebol e por literatura, lançou cinco livros sobre o esporte, incluindo as biografias de Givanildo Oliveira e de Kuki. Na Literatura Infantil, publicou Pedrinho e a chuteira da sorte e Marina e o passarinho perdido, escrito em homenagem à sua filha.

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