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'Moro é muito pior do que Bolsonaro, um juiz político, outro canalha', diz Ciro Gomes

Por: REDAÇÃO PORTAL
01/12/2021
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Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, em Lisboa, Ciro Gomes ataca o ex-juiz Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seus concorrentes nas eleições presidenciais de 2022. A menos de um ano do pleito, o candidato aparece atrás dos três nas pesquisas.

No entanto, Ciro menospreza os resultados como uma mera fotografia do momento, bem como os institutos que fizeram as pesquisas. O pedetista não poupou Bolsonaro, a quem chamou de genocida e apologista da ditadura, tampouco seu ex-aliado Lula, chamando-o de mentiroso e corrupto.

Ex-ministro da Integração Nacional, do próprio Lula, e da Fazenda, de Itamar Franco, Ciro também não evitou sua habitual ironia respondendo a algumas perguntas feitas por este correspondente da Sputnik em Lisboa.

Uma delas foi se ele não via nenhum conflito ético em trabalhar com João Santana, ex-marqueteiro do PT, que chegou a ser preso após ser condenado por Moro a oito anos e quatro meses de prisão por nove crimes de lavagem de dinheiro.

"Claro que não! [Santana] confessou e pagou caríssimo, mas nenhum deles [crimes] de corrupção. E, depois de pagar, a pessoa está devolvida à sociedade. Ou você quer que ele seja condenado eternamente? É isso que você está defendendo? Eu não. Como ele está limpo, leve e solto, acho que ele é o melhor cara que tem para me ajudar", defende Ciro Gomes, que será candidato à presidência pela quarta vez.

O ex-governador do Ceará e ex-deputado federal pelo mesmo estado viajou a Lisboa na última semana a convite do MyNews, canal no YouTube fundado pelo publicitário e humorista Antonio Tabet e pela jornalista Mara Luquet, que recentemente abriram um escritório em Portugal.

A seguir, confira a longa entrevista, de 45 minutos, concedida à Sputnik Brasil na biblioteca de um hotel boutique, no qual Ciro ficou hospedado, e que leva o nome de Fernando Pessoa.

Sputnik: Pesquisas divulgadas na última semana apontam uma queda da sua candidatura nos principais cenários, aumentando a distância para o terceiro lugar, ocupado pelo ex-juiz Sergio Moro. A candidatura de Moro pode ameaçar a sua de alguma forma?

Ciro Gomes: Pesquisa é retrato do momento, e a vida não é retrato, a vida é filme. Se você tomar, por exemplo, todas as pesquisas feitas à mesma distância temporal nas eleições de 2018, nenhuma delas via nada do que de fato aconteceu. Por quê? Porque o nível de atenção ao assunto eleições é nenhum no tempo presente. Portanto, elas tendem a revelar muito mais notoriedade do que adesão consolidada a essa ou àquela candidatura. E a notoriedade, no caso brasileiro, é uma variável da exposição da mídia, especialmente televisiva. E aí tem a síndrome brasileira: a mídia comercial pertence a cinco famílias, todas do mesmo lado. E agora vão fazer tudo o que puderem para eleger o Sergio Moro. Vamos ver se conseguem. Lá atrás, fizeram com o [Fernando] Collor. Mais recentemente fizeram com o Bolsonaro. Mas não era o que eles preferiam. A rigor, lá atrás, nas eleições passadas, eles queriam [Geraldo] Alckmin. Mas deu Sergio Moro.

S: Bolsonaro...

CG: [Moro] é uma versão piorada da matriz [Bolsonaro]. Bolsonaro, na sua estupidez, tem alguma coerência. É um grande genocida, que nunca negou que era. Um apologista da ditadura, que nunca negou que era. O Moro é muito pior, é um juiz político. Não existe coisa mais grave, sob o ponto de vista da degeneração moral do ser humano... É só ler Montesquieu, quando se criou a tripartição dos poderes, lá no "O espírito das leis", em que basicamente a razão de ser que ele advogava é que o poder corrompe. E que o poder total corrompe totalmente. E, por isso, deveriam os poderes ser diferentes. Um juiz condena um político e depois vai ser ministro de um político que foi beneficiado por essa condenação, recebendo uma promessa de vantagem indevida, leia-se corrupção passiva, de um cargo de ministro vitalício do Supremo Tribunal Federal (STF). Depois, um juiz que destrói uma empresa, uma grande corporação da construção pesada, vai ganhar dinheiro sendo sócio da empresa que está administrando essa massa falida, cuja sede, sendo em Nova York, ele se localiza em Washington... Percebe? Aí tem...

S: O senhor acredita que tanto a candidatura de Moro quanto a de Deltan Dallagnol confirmam que havia um projeto político de poder por trás da Lava Jato?

CG: Se isso não confirmar, o que é que faltaria confirmar? Mas nós já tínhamos várias indicações dessa fraude que o Moro conduziu. E, veja, para quem não gosta do Lula ou para quem como eu sabe que a corrupção foi orgânica e centralmente dirigida pelo Lula nos governos dele e da Dilma, tem que pensar por que é que o Sergio Moro deixou esse processo tão malfeito. Não estou dizendo isso agora. Em 2015, eu já dizia que o que Moro estava fazendo era semear nulidade, preparar a impunidade desses ladrões todos etc. Porque qualquer profissional do direito minimamente ilustrado sabia que o Moro não estava fazendo justiça, está fazendo política.

S: Aliados seus pedetistas, como Carlos Lupi e Túlio Gadêlha, teriam sugerido ao senhor concentrar ataques apenas a Bolsonaro e poupar o Lula. Por que o senhor não aceitou essa sugestão?

CG: Isso é o poder que o "Painel" [coluna] da Folha [de S. Paulo] tem na sua cabeça. É uma coisa importante. Não aconteceu isso. O Lupi nunca falou. O Túlio falou porque já está com o Lula há muito tempo. O Túlio, na eleição municipal do Recife, ficou contra o PDT, que tinha vice da outra chapa, para ficar com o PT. Essa pesquisa você não fez? Aí, onde é que estão o Lupi e o Túlio? Na notinha da Folha de S. Paulo de ontem ou anteontem. Não é culpa sua. Desculpa, como é que a gente se informa senão assim?

S: Na verdade, é mais antiga. Mas o senhor sente incômodo com essas notinhas que saem na imprensa, como a do "Painel", em que pedetistas tentam fritá-lo em off?

CG: Não sinto porque não leio.

S: Mas o senhor sabia...

CG: Eu tenho um assessor que lê para mim. A minha cabeça está muito concentrada em colocar, do meu ponto de vista, o que precisa ser colocado. Primeiro: o Brasil está na mais grave crise estrutural da sua História. Segundo: mais do mesmo vai agravar de uma forma definitiva e, talvez, de disruptura democrática como já frequentamos aí ameaça. Então, é preciso aprofundar as causas. O que aconteceu? Uma economia que mais crescia no mundo, de repente não cresce mais nada. Uma década inteira paralisada, com todas as sequelas disso. Depois, o que botar no lugar... Isso eu vou fazer, disciplinadamente. A minha possibilidade de vitória existe, mas não é farta nem generosa, porque estou contra todos os candidatos que representam exatamente o mesmo modelo, cada qual com seu estilo. O Lula é muito diferente do Bolsonaro. Francamente, é. Agora, qual é o modelo econômico que Bolsonaro está praticando? Rigorosamente, o mesmo modelo econômico do Lula, inclusive com a caricatura de turbinar a política social compensatória: Bolsa Família agora vai se chamar Auxílio Brasil. É a mesma coisa: câmbio flutuante, superávit primário, meta de inflação... Qual é a política econômica do Fernando Henrique [Cardoso]? Rigorosamente a mesma. O que é que o Moro pensa a propósito dessas coisas? Fura o meu olho aqui com uma opinião do Moro sobre qualquer coisa. Qual é a política de preço da Petrobras do Lula? Qual é a política de petróleo do Moro? Aí você vai ver, é tudo igual. Só eu que penso diferente, porque o sistema no Brasil é mais cruel do que qualquer outro lugar, não por acaso o Brasil é o último país do mundo que revoga a escravidão. A elite mais predatória do planeta é a nossa. Então o que é que eles querem? Confinar o processo eleitoral entre mais do mesmo, de maneira que a discussão fica só sobre o nível de suborno que cada um vai ter que pagar para este ou para aquele outro. E eu não sou um cara que sou subornável. É simples assim.

S: Mas então não existe nenhuma chance de o senhor desistir de ser candidato?

CG: Nenhuma chance. Eu vou ganhar a presidência da República, espera só para você ver.

S: E sempre pelo PDT?

CG: Necessariamente. É o meu partido.

S: Mesmo com aquela questão da votação na PEC dos Precatórios?

CG: Aquela votação foi um equívoco e, hoje, depois que aconteceu, eles me explicaram. É verossímil a explicação porque eles foram levados ao erro imaginando que a votação já estava dada, que iam ser 360 votos a favor. Neste caso, qual é o papel de um partido que tem 23 deputados em 513? Tentar atenuar danos. E eles ao acreditarem de boa-fé que já era favas contadas a votação, foram lá negociar para diminuir os danos do calote sobre o precatório dos professores etc. A mentira é que os votos do PDT que garantiram a coisa. E aí eu fiz um ato de luta. Não foi um ato de desistência. Foi um ato de luta. Ou muda a posição ou estou fora porque não podemos dar sinal trocado de que somos uma oposição que se guia pelo mérito das coisas. E é absolutamente um disparate você meter na Constituição do país um calote contra uma sentença judicial transitada em julgada. Isso não existe. Qualquer tribunal minimamente sério diz que essa norma não pode prosperar. E o Congresso votar por 350, 320, a Câmara Federal, uma aberração. É o seguinte: no Brasil, um aposentado que foi lesado nos seus direitos passa 20 anos, já sem ter essa expectativa de vida, esperando que a Justiça lhe dê ganho de causa. A Justiça lhe dá ganho de causa, com sentença final, "cumpra-se", aí, agora os políticos inventaram um recurso adicional: não vai cumprir mais.

S: O presidente do PSD, Gilberto Kassab, chegou a procurá-lo para ser vice numa eventual candidatura à presidência de Rodrigo Pacheco?

CG: Não, ele não teria coragem de fazer isso. Eu o procurei pedindo apoio dele para minha candidatura a presidente.

S: E ele?

CG: Disse que eu era muito preparado, é meu velho amigo, já votou em mim em outra ocasião. Se ele tem candidato, é normal que ele diga para mim que não pode me apoiar. Mas não disse, deixou a porta aberta.

S: Mas não houve essa conversa sobre ser vice do Pacheco?

CG: Não. Cara, na eleição passada, o Lula me convidou para fazer a fraude junto com ele.

S: Qual fraude?

CG: A fraude que ele se anunciou o candidato. Não é uma fraude? Todo mundo sabia que ele não podia ser, menos o nosso povo mais simples, que é a maioria. E ele, de dentro da cadeia, se anuncia candidato a presidente da República sem poder ser. E faz uma fraude. E me convidou para bailar com ele nessa fraude, sendo vice dele, com a promessa de que se ele fosse declarado inelegível, seria eu o candidato. Mas não aceitei, porque não participo de fraude. Meu negócio não é ser presidente do Brasil, mas mudar o Brasil.

S: Mas o senhor acredita que teria sido o senhor?

CG: Claro que era mentira. Isso é o Lula.

S: Agora, em eventual 2º turno entre Lula e Bolsonaro, em que o senhor não esteja...

CG: Você acha mesmo que eu tenho idade para cair numa bobagem dessas? Faça outra pergunta.

S: Entre Lula e Bolsonaro, o senhor apoiaria ou votaria em algum deles?

CG: Eu vou votar em mim. [...] Você devia me perguntar: "entre o Moro e o [Cabo] Daciolo, em quem você votaria no 2º turno?". Voto no Daciolo, que é íntegro e gente muito boa.

S: Ou viajaria para Paris de novo?

CG: Não, eu nunca deixei de votar no menos ruim. Em nenhuma eleição na minha vida. Nunca. O que o PT frauda para explicar a fraude do Lula, atribuindo a mim a fraude que o Lula promoveu... É que eu votei, mas não quis participar da campanha. Eu votei no 2º turno, tenho documento, o papelzinho da Justiça Eleitoral, filme de eu indo votar. Mas estávamos saindo daquilo que denunciamos como um golpe [impeachment de Dilma Rousseff]. Você não ouviu o Lula dizendo que houve um golpe de Estado no Brasil? Se houve, quem o praticou foi o Senado. Quem dirigia o Senado? O Eunício Oliveira e o Renan Calheiros, os dois presidentes do Senado. Com quem Lula e [Fernando] Haddad estavam naquela eleição? Eu tenho vergonha na cara, rapaz.

S: A democracia é uma delícia, mas...

CG: Mas tem os seus custos. Estou cansado de saber.

S: O senhor não se arrepende de não ter se posicionado publicamente a favor do Haddad?

CG: Eu me posicionei publicamente. No primeiro minuto, eu declarei. Apenas não quero participar de eleição com ladrão, com bandido. Não participo nunca mais. Isso é um direito meu de cidadão.

S: O senhor critica a corrupção do PT, mas não vê nenhum conflito ético em trabalhar com o João Santana, antigo marqueteiro do partido, que foi preso e condenado a 8 anos e 4 meses?

CG: Claro que não! Primeiro, o cara nunca administrou dinheiro público, portanto, nunca foi sequer acusado ou condenado por corrupção. Nem o Sergio Moro, na sua arbitrariedade, condenou o marqueteiro. Segundo, ele pagou caro pelo que ele confessou.

S: Foram nove crimes de lavagem de dinheiro...

CG: Confessou e pagou caríssimo, mas nenhum deles de corrupção. E, depois de pagar, a pessoa está devolvida à sociedade. Ou você quer que ele seja condenado eternamente? É isso que você está defendendo? Eu não. Como ele está limpo, leve e solto, acho que ele é o melhor cara que tem para me ajudar.

S: Então fala um pouco dessa estratégia dele, do "Ciro Games"... Como está sendo esse aperfeiçoamento digital?

CG: Todo mundo acha que isso é uma produção publicitária por inveja. Entre as eleições de 2018 e hoje, eu visitei, com pouco medo de errar, todas as universidades brasileiras, fazendo palestra para milhões de garotos. E isso acabou germinando uma militância politizada e esclarecida, que se expressa mais fortemente na internet e que ninguém tem. O que é que o João Santana está me ajudando? A dar forma a esse conteúdo, a organizar, porque isso tem uma espontaneidade que não é nada profissional. A estética do "Ciro Games" vem para qualificar uma coisa que eu [já] fazia. Tinha um programa chamado "Repare bem", em que entrevistava pessoas. Mas ele está me dando o melhor posicionamento possível. E, talvez o mais extraordinário até agora, sejam conteúdos que estão sendo disseminados nas minhas redes e que fazem a explicação de fenômenos da História ou da contemporaneidade brasileira e a pedagogia de um conjunto de valores. Fiz uma série sobre Canudos, [...] e estou fazendo agora, está no ar, uma sequência de duas séries sobre a Petrobras, a política de preço, com números, como é que se assalta o brasileiro, como é que se destrói uma companhia de forma completamente corrupta, mostrando indicadores todos etc. Nisso, ele tem sido absolutamente extraordinário.

S: O senhor denuncia o desmonte da Petrobras pelo governo Bolsonaro e a corrupção do governo Lula. Quais são os seus planos para a Petrobras?

CG: São duas coisas. Uma de curto e emergencial prazo, e a outra de médio e longo prazos, mas que começa também imediatamente. Curto prazo e de urgência: no primeiro dia do meu governo, convocarei o Conselho de Administração para trocar a política de preço. Vamos revogar a política de paridade internacional e estabelecer uma política de preços que seja contemporânea da boa prática internacional: custos locais incidentes em real (R$), porque 90% a 95% dos custos da Petrobras são em real (R$). Não há nenhuma razão para dolarizar seus custos. E o custo também do barril de petróleo, pela eficiência da Petrobras, pela produtividade crescente da grande escala do pré-sal, estão bem abaixo dos preços internacionais que estão causando inclusive inédita política americana de tirar reservas de 50 milhões de barris junto com a China. E o Brasil, que tem essa facilidade no bolso, está fazendo o oposto. A minha solidão está diminuindo mais uma vez, porque está aí o [Joe] Biden vendo que é uma política de Estado trabalhar a questão do preço dos combustíveis. Porém, como haverá um efeito importante na desvalorização das ações dos acionistas minoritários, já vou anunciar como fato relevante que o governo brasileiro comprará até o limite de 60% do capital dela, todas as ações de quem quiser vender. Os números são os seguintes: o lucro das boas práticas internacionais está entre 6% e 6,5% ao ano. A Petrobras tem 37,5%. Isso não é razoável. Qualquer empresa que tem um lucro exorbitante, com a dívida que a Petrobras tem, qualquer administrador boboca sabe que a tarefa não é adiantar dividendo, é abater dívida para melhorar o portfólio e qualificar o balanço. Então, essas são as providências de curto prazo.

S: E no médio e longo prazos?

CG: No médio prazo e a partir do começo do governo, a Petrobras será convertida numa grande e moderna empresa de energia, a maior do mundo. Não é mais petróleo só. Os focos vão ser os biocombustíveis de um lado, mas o hidrogênio verde vai ser o futuro mais importante.

S: Falando de meio ambiente, tivemos a COP26 com a ausência do Bolsonaro e, depois, houve aqui, em Lisboa, um evento da senadora Kátia Abreu falando sobre agronegócio sustentável. O que o senhor pensa da sinergia renovada do mercado financeiro com o agronegócio, simbolizada até pelo Touro de Ouro da Faria Lima?

CG: Olha, o Brasil é um país que navega absolutamente a esmo. A elite brasileira e os dirigentes do Brasil não estão entendendo nada do que está acontecendo no mundo nem muito menos entendem ou tem a mais remota intuição das ameaças trágicas que pesam sobre as tradições brasileiras do passado que estão aí mandando. A China não aceita mais - por tudo que Bolsonaro produziu, acendeu uma luzinha amarela lá - ficar com os ovos todos numa cesta só. A China, para mitigar a atenção de base de centro industrial tecnológico e crescentemente militar com os americanos, está tentando fazer um acerto com o mundo rural norte-americano, qualificando frigoríficos etc. Leia-se: substituir o Brasil por outras alternativas. A China está ensinando os angolanos a produzir soja. A Argentina já passou a ser o principal parceiro da China na América do Sul, agora nos últimos dois anos. A Europa vai crescentemente utilizar, ainda que de má-fé, a nossa incapacidade de manejo correto do território para nos impor neoprotecionismo, porque ela está com toda a razão.

S: E a questão do acordo com o Mercosul?

CG: Foi pro espaço, porque a França precisa de todo e qualquer pretexto para não ter a sua agricultura ineficiente, sob o ponto de vista dos padrões de eficiência da agricultura tropical brasileira, de resistir. E eles não podem dizer isso em cima da mesa. Se o Brasil promove devastação florestal sem precedente como está fazendo Bolsonaro; se autoriza o uso de agrotóxicos banido da Comunidade Europeia, como Bolsonaro autoriza mais de 300 princípios ativos banidos da Europa; se temos notícia de genocídio de populações tradicionais: três crianças yanomami entraram numa draga de mineração ilegal... Tudo isso é devastador e vai constranger os caminhos do Brasil nessa área. É preciso um projeto nacional de desenvolvimento compreensivo da vida brasileira que o Brasil se assenhore do seu território e se imponha como o grande protagonista de uma agenda verde, ambiental, para o terceiro milênio no planeta Terra. Nós é que temos o protagonismo natural.

S: E como fazer isso?

CG: Para isso, a gente precisa conhecer nosso território. O Brasil não tem o censo geográfico. Está no meu projeto fazer um censo geográfico, que vai determinar as fronteiras, os limites dos biomas, dos recursos hídricos, das bacias, da biodiversidade etc. A partir daí, o zoneamento econômico e ecológico. Vamos dizer: aqui pode tal coisa, aqui não pode tal coisa. E onde não puder, estabelecer um processo de reconversão produtiva para aqueles brasileiros que, há menos de uma geração, 30 anos atrás, foram chamados do Rio Grande do Sul e do Nordeste para ir para Amazônia, e a condição de receber o papel da terra era desmatar. E agora não entendem como é que isso virou marginal. E aí votam em massa no Bolsonaro, porque ele acabou com as multas. Está aí a tragédia: você ganha no varejo e perde no atacado. Só um novo projeto vai ser capaz de estabelecer esse ordenamento territorial. E, em qualquer circunstância, o empoderamento do Estado no território. O Brasil, um país de 210 milhões de habitantes, tem 11 mil homens na Polícia Federal, encarregada de narcotráfico, contrabando de armas, crime de colarinho branco, corrupção política, fronteiras... Tem um terço da Polícia Militar do Ceará. Você acha que isso é um acidente?

S: Por falar em PM do Ceará, acidente e crimes, aquele episódio em que seu irmão Cid Gomes foi atingido por um policial militar foi um acidente ou um crime?

CG: Foi um crime.

S: Arquitetado?

CG: Por uma milícia que está dentro da PM do Ceará, com uma força muito grande, mas estamos enfrentando. Pusemos 300 e poucos para fora.

S: Mas o senhor vê relações com o Bolsonaro ou com o bolsonarismo?

CG: É a turma do Bolsonaro, sem nenhuma dúvida. Eu não seria irresponsável de dizer que o Bolsonaro apertou aquele gatilho. Mas os camaradas que estavam lá todos são bolsonaristas. Um vereador do Bolsonaro, o único que tinha, que perdeu a eleição lá na cidade. O Ceará tem 184 municípios, e aquilo aconteceu na minha cidade.

S: Não foi à toa...

CG: Foi de propósito. Eles fecharam o comércio à força de revólver, todo mundo sem camisa e de máscara. E essa foi a razão pela qual a cidade, em polvorosa, pediu socorro para o Cid.

S: Voltando à questão da China, queria falar de outro crime que aconteceu, aquele atentado à bomba ao Consulado da China no Rio de Janeiro. O Itamaraty demorou duas semanas para se pronunciar. Depois que o Ernesto Araújo saiu, o senhor acha que mudou algo? Como o senhor vê esse episódio?

CG: O Bolsonaro é um grande canalha! Não é só um grande canalha brasileiro. É um grande canalha do planeta Terra. Ele produziu um grupo de seguidores que são tão canalhas quanto e que frequentam o limite do crime. E ele estimula. Na medida em que o Itamaraty não repudia um gesto daquele na primeira hora e, mais que isso, a Polícia Federal não se assenhora daquilo para exemplarmente trazer a punição, o que ele está dizendo, basicamente, para todos os boçais desse grupo de tarados que o seguem, é que esse é o caminho. Bolsonaro tentou - e ainda vai tentar -, muitas vezes, criar o caos no Brasil para que ele venha com a ideia da ordem, que é a lógica de um fascistoide primata.

S: No 7 de setembro, por que o senhor acha que ele deu um passo atrás com aquela carta para o ministro do STF Alexandre de Moraes?

CG: Porque fracassou o golpe. Hoje, os fragmentos de informação que se têm é de que o que estava planejado era que aqueles caminhoneiros invadiriam o Supremo e o Congresso e, naquela madrugada do 6 para o 7 de setembro, ele decretaria o estado de sítio e faria o anúncio das providências na grande aglomeração de São Paulo. À noite, o governador do Distrito Federal tinha saído do DF e deixou a PM sob o comando do vice. Mas o ministro [Luiz] Fux ligou para o governador, desconfiado, porque o serviço de inteligência do STF tinha as informações dessa tentativa nos hotéis de baixa diária, que foram ocupados com dois dias de antecedência. O serviço de inteligência do Supremo viu isso e conseguiu pescar o plano. O ministro Fux teria ligado direto para o comandante do Exército dizendo que ele próprio convocaria o estado de defesa ou a Garantia da Lei da Ordem, que pode ser convocada por qualquer dos tribunais. E aí o comandante do Exército já teria dissuadido o Bolsonaro. Essas informações que tenho, a conferir.

S: Voltando para as relações diplomáticas, mesmo com a saída do Ernesto Araújo, ainda há um aparelhamento ideológico do Itamaraty?

CG: Completamente. O aparelhamento ideológico não é do Itamaraty, é da presidência da República no Brasil. Infelizmente, com a quase criminosa cumplicidade da Procuradoria-Geral da República e de certos setores do judiciário.

S: A CPI da COVID-19 não vai dar nada então?

CG: Não vai dar em nada, como eu sempre achei. Conheço o Brasil, as figuras, as peças... Muito raro que haja um filme que eu fique excitado para ver o fim.

S: O senhor falou das Forças Armadas e do Exército. Como é a sua relação com o general Santo Cruz, que virou conselheiro da candidatura do Moro?

CG: Eu acho que ele está pisando na bola de novo, porque, quando ele, com a qualidade moral que tem, apoiou o Bolsonaro, ele já mostrou que tem uma fragilidade de personalidade. Ele, general Santos Cruz como homem de bem que é, sabia que o Bolsonaro é um canalha. O Exército sabe que o Bolsonaro é um canalha, na acepção mesmo da palavra. E ele [Santo Cruz] frustrou-se e saiu. E agora está se afiliando a outro canalha, que é o Moro. Parece que ele tem uma certa vulnerabilidade a canalhas. E o que explica isso parece que é um pulso autoritário.

S: O senhor acredita que a sua candidatura é de esquerda ou já é mais ao centro?

CG: Diga você. Ah, sou eu que vou dizer? Quarenta anos depois, não tenho nenhuma crise de identidade. Ninguém é de esquerda porque diz que é. O que define alguém é a prática. Sou um cara que tenho na minha biografia um prêmio que é o Unicef dá globalmente a iniciativas de combate à mortalidade infantil [por dar continuidade ao programa "Agente de Saúde" criado por Tasso Jereissati, governador do Ceará antes de Ciro]. O Ceará tem a melhor educação pública do Brasil. O imposto sobre heranças no Ceará é o dobro do Brasil, porque o Senado tabela em 8%. No Brasil, é 4%, lá é 8%. Então, me diga você qual é a minha prática.

S: Falamos do desmonte da Petrobras, mas e o desmonte da educação? O mais recente episódio foi esse do Enem, que foi um tiro que saiu pela culatra?

CG: Não saiu pela culatra, não. Foi o pior Enem da História. Mas se distraem as pessoas com isso só porque saiu uma pergunta falando de "Admirável gado novo". Então, está tudo bem, a resistência está grande? Não está, não. Foi o menor nível de inscrição do Enem, a menor quantidade de pobres e negros. Um desastre. A mim não interessa muito fazer higidez ideológica nas perguntas, isso só aperfeiçoa o discurso do Bolsonaro. Quantas pessoas a gente politizou porque, no Enem, entrou uma letra do Zé Ramalho?

S: Mas não só isso. Houve uma debandada mais de 30 servidores do Inep, órgão responsável pelo Enem, que pediram exoneração...

CG: Mais da metade, eu fui pesquisar, gente nomeada pelo Bolsonaro. Portanto, não era restrição ideológica, não. Pelas tantas, meu irmão, eu também denunciei isso, entrou, na sala secreta, um policial federal sem mandado judicial. Eles queriam botar mais 22 pessoas na sala. Aí já é uma questão de fraude: Polícia Federal na sala que está necessariamente sigilosa para garantir que a competição seja limpa. Como é isso? Foi o pior Enem disparado. Ele está nos distraindo, como ele canalhamente faz, e essa esquerdinha petista entra pelo cano toda vida. As bolsas de estudo da rapaziada estão atrasadas toda vida.

S: Por falar nisso, estive aqui com o ministro Marcos Pontes, em Lisboa. Esse merece voltar para o espaço?

CG: Devia ficar lá, na lua, sem capacete.

 

 

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