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Opinião

Aniversário: “Pensar nunca foi tão necessário”

Por: SIDNEY NICÉAS
Hoje é aniversário do nosso editor Sidney Nicéas. E a gente comemora com a entrevista dele ao Domingo com Poesia

Foto: Mila Porto/Lysander Yuen/Unsplash/Arte Tesão Literário

26/06/2022
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Hoje é aniversário do nosso editor Sidney Nicéas. E a gente comemora com a entrevista dele ao Domingo com Poesia, prestigiado site de literatura, publicada no domingo passado (19). Nicéas fala sobre a luta para ser escritor no país, a relevância dos blogs literários, a importância da inclusão e do pensar em tempos tão difíceis… um retrato fiel da sua vida nesses 47 anos de existência. A entrevista foi dada ao editor do Domingo com Poesia, Natanael Lima, e também pode ser conferida aqui: http://www.domingocompoesia.com.br/2022/06/entrevista-com-o-escritor-sidney-niceas.html?m=1 

 

*por Natanael Lima, do Domingo com Poesia

DOMINGO COM POESIA – Quem é Sidney Nicéas?

SIDNEY NICÉAS – Só um enxerido no universo das letras, tentando depurar todos os incômodos desse lodo humano, inclusive e especialmente o que o habita. Mas, no fim das contas, um lutador pelo que acredita: a arte que impulsiona o espírito humano e promove, de fato, transformações reais. É uma luta que vale uma vida.

DCP – Você é escritor, colunista de literatura, preside a Ideação (co-realizadora da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco), participa de oficinas, promove lives, palestras, produz conteúdos na web, promove diversas ações de inclusão social e ainda tem uma assessoria de comunicação. Como você consegue conciliar tudo isso?

SN – Não sei. Juro. Trabalho 10, 12 horas por dia, incluindo muitas vezes meus finais de semana, intercalando sempre com a deliciosa missão de pai da minha filhinha Maya, de 03 anos. A necessidade de (sobre)viver e o tesão pelas coisas e pessoas que valem a pena são meu combustível. O que me salva (e não é demagogia minha) é a escrita, a leitura, meus filhos e as relações amorosas que construí e construo em minha vida.

DCP – Você é autor de poucos livros. Mas, como todos sabem, a qualidade não se mede pela quantidade. Sidney Nicéas escreveu até agora, digamos, o necessário?

SN – Longe disso. Tenho obras que não publiquei e nem vou publicar, escritos de gaveta, como se chama, importantes pro desenvolvimento como escritor. Comecei a escrever por enxerimento, até que fui mordido de vez pelo poder da literatura. Sou inquieto e vivo experimentando técnicas. Estudar, escrever, ler, dar aulas… tudo isso foi me fazendo ampliar, e muito, o olhar para o fazer literário. A cada livro escrito sinto que cresço de alguma maneira, como escritor e ser humano. E constato que vou morrer insatisfeito com o que conseguirei fazer até a hora de ir. Mas acho que essa angústia não é exclusividade minha. O bom é aprender a brincar com esse ofício num país broxante - tem que ter muito Tesão Literário, e eu tenho!

DCP – Vamos falar aqui de escritores e de literatura: como você avalia a produção literária hoje no estado?

SN – Acho que nos falta base. Não temos formação adequada e somos salvos por mestres como Raimundo Carrero e Paulo Caldas, com suas oficinas fixas - e por nomes como Sidney Rocha que vez por outra trazem oficinas sazonais, eu também. Hoje também temos duas pós-graduações em Escrita Criativa no Recife, mas isso ainda é pouco. Mesmo assim, acho que o nosso momento é bom, tem muita gente de qualidade escrevendo e publicando em Pernambuco. Todavia, não dá pra falar de produção literária sem chiar com a nossa pobre cadeia local do livro, com poucas editoras sérias e menos livrarias ainda, com poucas políticas públicas sérias e parcos eventos literários (e os que existem sangram para acontecer). Ando inquieto com a passividade com que nós, escritores e atores da cadeia do livro, vimos aceitando isso tudo. Num Estado marcado pela insurreição, é preciso agir. Estou seriamente apoiado nisso nos últimos tempos.

DCP – E a sua produção literária? Como você se situa na literatura pernambucana atual?

SN – Na verdade não faço esse tipo de análise, meu trabalho é escrever. Nesse sentido, posso garantir que estou mergulhado em processos criativos. Estou há seis anos sem publicar livro, estudando e escrevendo bastante, exercitando muito - inclusive tenho um romance biográfico que deverá sair no segundo semestre, outro de contos que pode sair ainda este ano e um romance de ficção que vou reescrever. Nesse período fiz uma pós-graduação em Escrita Criativa pela FAFIRE, que me foi importante (estou só aguardando o diploma). Se disso tudo sair prêmio, algum tipo de reconhecimento ou simplesmente nada, continuarei pautando a minha escrita no que acredito, não em premiações. Não há outro modo de seguir.

DCP – O Brasil respeita seus autores?

SN – O Brasil não respeita seus autores, nem seus artistas, nem sua cultura. O povo brasileiro carece de “tutano”. Temos uma “elite” tão pobre quanto a pobreza da maioria. Há um glamour atribuído aos escritores, mas quem está na labuta sabe o quanto teve e tem que suar pra conseguir o mínimo. Não temos uma cultura de arte, não presenteamos as pessoas com livros, por exemplo. Falta comida pro corpo e pra alma. E ainda tem gente pregando o armamento da população… Esse país é uma piada de mal gosto.

DCP – Provoco frequentemente este debate: a literatura serve para quê?

SN – Enquanto produção e consumo literários, serve para a mente e para a alma (não vou falar aqui da literatura em seu universo clássico-doutrinário). Sou uma vítima feliz da literatura. Sem ela estaria perdido.

DCP – O que você acha da crítica literária? A crítica literária ainda existe no Brasil?

SN – Tudo mudou, isso também: a crítica literária, antes dividida entre seu pedantismo e necessidade, foi relegada em tempos em que todo mundo tem e divulga sua opinião. Mas tem gente boa ainda. O problema é que não há mais canais de massa para fazê-los aparecer, já que literatura não dá like.

DCP – Como você avalia a realização de concursos e prêmios literários nacionais?

SN – Os prêmios são importantes para o escritor por darem visibilidade e algum dinheiro, mas estão longe de ser parâmetro para um aval definitivo de qualidade. Quem escreve pensando em prêmio está perdendo o melhor do fazer literário.

DCP – Você já realizou diversas oficinas de escrita criativa nas escolas, não é isso? Que balanço você faria do nível de interesse pela leitura e a escrita dos alunos?

SN – Faço workshops em escolas, mas já promovi várias oficinas para jovens. Promovo outras para públicos de baixa renda e ou em situação de vulnerabilidade. Também, nas oficinas pagas, seja para qual faixa etária for, abro cotas sociais para quem não pode pagar. Numa dessas oficinas, um aluno cotista me procurou preocupado. Era a penúltima aula e ele lamentava pelo fim, afinal, voltaria para sua rotina onde nenhum dos seus amigos lia ou escrevia. Vou conversar sobre esses assuntos com quem, professor? Ele me questionava e eu sentia como um murro na minha barriga. Como podemos admitir isso passivamente? Não aceito viver num país onde pessoas são privadas de alimento, pro corpo e pra alma. Precisamos mudar isso. Sem base jamais seremos uma nação de verdade. Falta ação e acredito que nós, escritores, podemos ser agentes, ao menos, para plantar boas sementes. É o que venho tentando fazer. Não dá pra desistir.

DCP – Você produz frequentemente conteúdos na web, especialmente para o seu blog “Tesão Literário”. Qual a importância dos blogs e sites literários?

SN – Acho que a relevância está no acreditar, em não desistir, em mostrar que, yes, nós temos literatura. O Tesão Literário se ampara na qualidade do pensar, do escrever e do ler. Temos colunistas em vários pontos do país, e fora também, todos unidos por esse elo. Aqui em Pernambuco, iniciativas como o DCP e o Angústia Criadora, por exemplo, bebem da mesma fonte e acabam sendo instrumentos importantes para quem gosta de ler e escrever. Repito: não dá pra desistir.

DCP – Você atualmente preside a Ideação, co-realizadora da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. Você consegue mensurar o tamanho desse desafio?

SN – Eu tento fazer como Madre Tereza de Calcutá: quando perguntada como conseguia atender tanta gente num único dia, dizia que olhava somente para o próximo à sua frente, para não sentir algum desestímulo pelo tamanho da fila (e da tarefa). Não dá pra ficar olhando o tamanho do desafio. Minha angústia é não conseguirmos realizar nem metade do que sonhamos, por falta de apoio mesmo - nosso país não ajuda. O bom é que a turma de Rogério Robalinho é coesa e focada nos mesmos objetivos meus: é possível fazer, mesmo com todas as dificuldades; é possível impactar outras vidas pelo universo do livro; é indispensável manter a força, mesmo com tanta correnteza contra.

DCP – Você está preparando dois romances: um biográfico e outro de ficção. Você poderia falar mais um pouco sobre esses livros?

SN – Vou contar melhor essa história que adiantei mais acima. Em 2016, quando lancei Noite em Clara, iniciei a escrita de outra narrativa de ficção (cheguei a finalizá-la um tempo depois, mas deixei o projeto de lado e tive muitas ideias que me farão reescrever o livro em breve). Foi então que recebi o desafio de escrever uma biografia. Começou a jornada de Todos os Amores de Lourdes, a história de Lourdes Alencar, uma recifense que foi estuprada pelo próprio pai dos 07 aos 12 anos de idade e que hoje, com 72 anos, após uma vida flertando com a miséria humana, tem 13 filhos, sendo 10 adotivos, uns no papel e outros que acolheu mesmo já sendo registrados (e ainda outros tantos que ajudou sobremaneira - tem até membro de gangue que hoje é empresário bem sucedido). Uma narrativa obrigatória pela quantidade de temas relevantes, com pautas ainda muito atuais. Após seis anos de trabalho, estamos atualmente no processo de revisão e devemos lançar no segundo semestre deste ano. Daí, há uns três meses comecei a fazer uns experimentos de escrita que estão resultando numa série de contos curtos. Provavelmente resulte num livro, talvez até em parceria com uma escritora amiga. Como não dá pra dar spoiler, em breve poderei falar mais sobre isso.

DCP – Fica aqui o espaço para as suas considerações finais e mensagem aos seguidores do site literário “Domingo com Poesia”.

SN – Continuemos a ler e questionar a realidade. Pensar nunca foi tão necessário. Acho que nunca vivemos tempos tão rasos, com tamanha reverberação do banal. Todos os efeitos-manada que percebemos bebem na mesma fonte da falta de pensamento crítico. É preciso sair das bolhas criadas pelas redes sociais e das perpetuações de narrativas enganosas ou limitadas. Poucas vezes na história da humanidade fomos instados a ser mais como agora. Por isso precisamos lutar pela arte, pela cultura, pela educação, pela democracia, pelo direito a uma espécie de equidade. Precisamos de mais amor e menos violência e isso só se consegue agindo - amor também é ação. Temos capacidade e conhecimento hoje para questionar o que nos ensinaram sobre Deus, sobre o universo, sobre a vida, sobre as religiões, sobre fatos históricos, sobre o nosso país, sobre nós mesmos, e ressignificar tudo isso. Amar ao próximo como a nós mesmos nunca foi tão necessário - e isso nada tem a ver com religião.

 

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