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Literatura

Conexão RJ: Variante Paraguaia

Por: SIDNEY NICÉAS
Você conhece a variante paraguaia do Vírus que anda circulando pelo Brasil? Então leia agora Renato Sousa

Foto: Martin Sanchez/Unsplash

14/10/2021
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*por Renato Sousa

O ônibus parou na rodoviária e o motorista avisou – meia hora para almoço e banho. Ronaldo acordou atordoado, nem fazia ideia da cidade em que estava, abriu a cortina da janela deixando o sol entrar. Estudante de Sociologia, ele recebera uma missão do pai: viajar de São Paulo até Fortaleza, três dias pela BR-116 para conhecer o verdadeiro Brasil e visitar alguns parentes distantes. Ainda tentou argumentar para ir de avião e olhar via Google Maps, mas não teve conversa.  O pai, um coronel reformado do exército, sujeito rígido, das antigas, foi enfático: vai de ônibus para ver o que é bom! Eu sofri na minha vida, você tem que ralar também! A mãe, que geralmente aliviava o lado do filho, desta vez nada pôde fazer. Disse apenas Meu filho, faz o que seu pai pediu, tenho fé em nosso senhor Jesus Cristo que nada de ruim há de te acontecer. Será uma experiência benéfica para a sua vida, sair do conforto de nossa casa para as estradas deste país! Estarei orando por ti!

Seguindo as instruções do motorista, ele desceu do ônibus se dirigindo ao WC, tomou seu banho num banheiro não lá essas coisas, mas saiu todo cheiroso; olhou em volta, viu o motorista almoçando no Restaurante Alimento Divino. É lá, não pensou duas vezes, escolheu uma bandeja e foi seguindo o fluxo das pessoas colocando no prato suas preferências alimentares. Avesso a muita gente, sentou numa mesa totalmente vazia. Para sua surpresa um homem de aparência simples, chapéu de palha, camisa quadriculada (semelhante ao personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato) surgiu sentado na cadeira da frente, dirigindo-lhe a palavra com humildade. Ei garoto, você está viajando para onde? Piscou os olhos para ter certeza que não estava delirando e respondeu: para Fortaleza, no Ceará. Em plena pandemia você se aventura numa viagem de três dias? Sim, meu senhor, meu pai quer que eu conheça o verdadeiro Brasil. Eu moro em São Paulo e nunca viajei para o Nordeste. Meu pai acha que estou ficando bitolado, que preciso conhecer outros lugares e novas pessoas. O homem ajeitou seu chapéu de palha, olhou para os lados como se estivesse prestes a revelar um grande segredo, deixando à mostra seus pés descalços, e falou: Você está sabendo da variante paraguaia do vírus?

Ronaldo era aquele típico universitário questionador, já tinha tido diversos embates com a família sobre a questão do Vírus. Desde quando lera os jornais sobre o andamento da pandemia adotara uma postura de confronto, chegando ao ponto de perder o diálogo com os pais sobre qualquer notícia relacionada ao Vírus. Dificilmente aceitava uma opinião que não fosse similar à sua. Alegava inclusive que não havia novas variantes do vírus e sim apenas leves mutações – coisas previsíveis para qualquer um que estudasse biologia para o vestibular, como ele estudara. 

Conhecedor profundo dos personagens de Monteiro Lobato, Ronaldo desconfiou daquele sujeito que do nada aparecera ali, mas não perdeu a oportunidade de dialogar, fosse ele um fantasma ou não. Respondeu serenamente: Eu nunca ouvi falar sobre esta variante paraguaia não. Essa variante já foi comprovada? A ANVISA já mapeou? A OMS já reconheceu? O Ministério da Saúde já se pronunciou? Não é apenas uma mera mutação? No entanto, antes de ouvir a resposta do Homem do Chapéu de Palha, ouviu a buzina do ônibus convocando os passageiros para embarcar. Ele já havia notado quando o motorista passou à sua frente palitando os dentes com ar apressado.

O Homem de Chapéu de Palha recaiu o olhar em Ronaldo e disse: Meu filho, escute meus conselhos sobre a variante paraguaia. Ela é a mais letal até hoje identificada, os sintomas são: aumento acelerado da sensação de raiva, uma vontade enorme de discutir com seus familiares, um fascínio repentino pela violência, uma vontade incontrolável de fazer prevalecer sua opinião a qualquer custo! O infectado começa a ter alucinações, vê pessoas que não estão mais vivas, fala com almas penadas e ainda rotula as pessoas por suas escolhas políticas, sexuais e linhas de pensamentos!  E o pior, a pessoa não percebe que está infectada! Somente uma imersão profunda na energia do amor poderá curá-la. 

Ele, intuitivamente, olha para o ônibus e quando volta o olhar, aquele Homem de aparência humilde já não estava mais ali. Sem tempo de refletir, corre, se sentindo mais leve, entra no ônibus, sentando confortavelmente na sua poltrona. O ônibus segue viagem. Pela janela, Ronaldo observa a placa indicativa – você passa por Aparecida do Norte, capital brasileira da fé, cidade da Padroeira do Brasil, local de milagres! Pensativo, repassa todo diálogo com o Homem do Chapéu de Palha; lembra-se dos pés descalços, claro! Matou a charada! Foi um anjo na figura do Jeca Tatu que conversara com ele. Um milagre! Seu pensamento é interrompido pela imagem da Basílica de Nossa Senhora de Aparecida, com sua exuberante cúpula dourada surgindo na beira da estrada. Agradecido, decide orar baixinho, pedindo à Santa que ninguém jamais se infecte com essa variante paraguaia do vírus. Aliviado, tudo que ele deseja agora é conhecer Fortaleza e as lindas praias cearenses.

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Prof. Renato Ferreira de Sousa é administrador, professor universitário, gestor de carreiras e mentor de talentos. 

https://www.instagram.com/profrenato.sousa/ 

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