Carregando
Recife Ao Vivo

CBN Recife

00:00
00:00
Opinião

Cristovam Buarque exclusivo no Tesão Literário: “Não levo a sério campanha em prol do livro que não lute pela educação de base”

Por: SIDNEY NICÉAS
Ex-Senador critica proposta de taxação pelo governo e passividade do povo: “proposta obscurantista em uma sociedade obscurantista”.

Foto: Lucas Ninno/GCOM/Fotos Públicas

01/09/2020
    Compartilhe:

A proposta de taxação do livro pelo Governo Federal continua dando o que falar. A movimentação contrária à ideia tem sido grande por escritores, editores, livreiros e alguns políticos. Mas há aqueles que vão mais além no debate. O ex-senador Cristovam Buarque é exemplo disso. Em entrevista exclusiva ao Blog Tesão Literário, ele critica não somente a proposta do atual governo, mas todos os outros anteriores e a sociedade em geral por não agirem na base da questão.

Acho (a taxação) uma proposta obscurantista em uma sociedade obscurantista, absurda mas coerente com a história do Brasil, que desde sempre taxa os livros para os muitos milhões de brasileiros que sobrevivem no analfabetismo pleno ou funcional e por isto estão proibidos de ler”.

Atento ao que está rolando nesse momento, Buarque acredita que o debate e as ações precisam de maior profundidade. Perguntado sobre a PEC 31/2020, protocolada nesta semana pelo Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP), que pretende alterar a Constituição concedendo imunidade tributária ao livro, afirmou considerar boa, mas incompleta. “ele devia lutar para cumprir-se o artigo da Constituição, que determina erradicação do analfabetismo até 1998. Mas este é um assunto que não interessa aos que já sabem ler. Nem dá voto”, alfinetou.

Botando o dedo na ferida, o ex-senador apontou o elitismo vigente e a seletividade nos interesses coletivos. “350 anos de escravidão criou no Brasil a convicção de que educação de qualidade e gosto por leitura é apenas para alguns. A ideia de que os filhos de pobres devem estudar nas mesmas escolas dos ricos é vista como demagogia ou como deboche. Por isto, se fizer um plebiscito, a imensa maioria da população vai defender o aumento nos impostos sobre livros. Como se fosse imposto sobre um bem de luxo ao qual eles não têm acesso”.

Confira na íntegra a entrevista exclusiva concedida ao Tesão Literário:


TESÃO LITERÁRIO- O que o senhor acha da proposta do Governo Federal de taxar o livro no país?
CRISTOVAM BUARQUE- Acho uma proposta obscurantista em uma sociedade obscurantista, absurda mas coerente com a história do Brasil, que desde sempre taxa os livros para os muitos milhões de brasileiros que sobrevivem no analfabetismo pleno ou funcional e por isto estão proibidos de ler. Absurdo um governo que no lugar de ensinar a ler aumenta o preço do livro. Absurdo também que nós leitores só lembremos do imposto sobre os livros que nós compramos, esquecendo o “imposto infinito” que pesa sobre os livros nas mãos dos iletrados. Todos os governos anteriores mantiveram o “imposto infinito” ao não reduzirem o número de analfabetos plenos, nem melhorarem a educação de base.


TL- Muita gente se surpreende com projetos como este (de taxar o livro). Dá pra esperar algo diferente do Governo Bolsonaro na seara da Cultura?
CB- Não dá para esperar nada diferente do governo Bolsonaro, mas tampouco vimos dos anteriores uma estratégia duradoura para transformar o Brasil em um país de leitores. Parece que nos contentamos em termos poucos leitores, desde que o governo não cobre impostos fiscais sobre os que leem, apenas os impostos educacionais sobre os que não têm acesso à boa educação. Nem mesmo percebemos que o preço dos livros diminuiria para nós se as tiragens de livros fossem em dezenas de milhares e não apenas em algumas centenas para os poucos que leem, pagando preço alto, desde que não paguemos impostos sobre eles.


TL- Por que questões econômicas são frequentemente colocadas à frente de questões primordiais, como educação e cultura, nas políticas públicas? O senhor acredita que falta uma visão de base ao se tratar desses temas? Esse tem sido o maior problema para a inclusão pela Literatura no país?
CB- Porque a mente brasileira não prestigia, nem se sente preparada para concorrer nos campeonatos mundiais de inteligência. Todo ano olhamos para Zurique para ver qual brasileiro ou brasileira vai ganhar a bola de ouro, mas duvido que um único brasileiro olhe para Estocolmo para ver qual brasileiro vai ganhar o Nobel de Literatura ou de ciência. Além disto, 350 anos de escravidão criou no Brasil a convicção de que educação de qualidade e gosto por leitura é apenas para alguns. A ideia de que os filhos de pobres devem estudar nas mesmas escolas dos ricos é vista como demagogia ou como deboche. Por isto, se fizer um plebiscito, a imensa maioria da população vai defender o aumento nos impostos sobre livros. Como se fosse imposto sobre um bem de luxo ao qual eles não têm acesso. Como seria imposto sobre os bens que eu não compro.


TL- O que o senhor acha da PEC 31/2020, protocolada pelo Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP), que visa garantir a imunidade tributária do livro na letra da Constituição?

CB- Boa PEC, mas ele devia lutar para cumprir-se o artigo da Constituição, que determina erradicação do analfabetismo até 1998. Mas este é um assunto que não interessa aos que já sabem ler. Nem dá voto.

 

TL- Como o senhor enxerga a atuação política em prol do livro? O que anda faltando para o assunto ser tratado, de fato, de forma séria pela maioria de nossos parlamentares?

CB- Não levo a sério campanha em prol do livro que não lute por uma estratégia para que a educação de base tenha a máxima qualidade pelos padrões mundiais, e os filhos dos pobres e dos ricos estudem em escolas com a mesma qualidade.


TL- A discussão atual em torno do livro foi acentuada por conta da crise do mercado livreiro e, mais ainda, pela já citada absurda proposta do Governo Federal. O senhor acha que falta uma maior mobilização do meio Literário pela causa do livro e da leitura – não somente o acesso ao livro, mas à leitura em si, já que, como o senhor mesmo abordou, o analfabetismo (real e funcional) ainda é uma dura chaga no Brasil?

CB- Acho estranho que em um país onde 12 milhões de adultos não conseguem ler as duas palavras que estão escritas na bandeira há 130 anos, esteja despertando para o assunto da leitura, quando um governo obscurantista eleva impostos sobre a venda de livros.

TL- Como reverter o formato estabelecido (e agora em crise) de colocar o mercado livreiro nas mãos de poucas grandes redes? Não são também os pequenos negócios (inclusive digitais) e as livrarias de bairro o melhor caminho para o livro?

CB- Fazendo do “Brasil um País Leitor”. Com uma estratégia para termos boa educação para todos. Fora disto é fazermos Ventre Livre, mas sem fazer a Abolição. E seria tão fácil, embora precise de 20 anos, se o Brasil quiser.

 
TL- Por que as bibliotecas seguem subestimadas pelo poder público (e até por uma parte dos meios livreiros, acadêmicos e literários do país)? O senhor concorda que elas, as bibliotecas, também são parte indispensável para o acesso ao livro e à leitura?

CB- Claro que biblioteca é fundamental: mas elas só atendem quem sabe e gosta de ler. Elas são subestimadas porque atendem a poucos, aos que leem. Nunca vi as massas de eleitores se entusiasmarem com candidatos que propõem fazer bibliotecas. Não vejo os passageiros de ônibus comemorando quando passam em frente a obras de uma nova biblioteca.

TL- Pernambuco aprovou recentemente o seu Plano Estadual do Livro, que agora é lei. Esse é um caminho pertinente para fortalecer o livro e, mais ainda, cobrar por ações concretas do Poder Público?

CB- O que está no Plano relacionado com a abolição do analfabetismo e a qualidade da educação de base? Se não trata disto, não é sério.

Notícias Relacionadas

Comente com o Facebook