Flávio Brayner: Macaco velho...
Foto: Syed Ahmad/Unsplash
*por Flávio Brayner
Na surpreendente “autobiografia” de Philip Roth (1933-2018), “Os fatos. Autobiografia de um romancista”, ele – um dos mais importantes ficcionistas americanos da segunda metade do século XX- garantiu que “existia uma teoria segundo a qual se mil macacos fossem acorrentados a mil máquinas de escrever por um período indefinido de tempo, eles teriam escrito todas as grandes obras literárias produzidas no mundo pelo seres humanos”. Você leu corretamente: macacos, símios! A teoria é muito interessante, rica de desdobramentos e podemos testá-la em situações que vão além da produção literária.
Eu sugeriria – a título experimental- que nosso Prefeito acorrentasse uma boa centena de símios aos cargos comissionados da administração urbana recifense, conhecida por sua “falta de planejamento”, e esperar pra ver no que dá (embora eu, na verdade, não deseje isso para nossos simpáticos amiguinhos)! Suspeito que nosso (des)planejamento seja, no fundo, um projeto minuciosamente planejado, e qualquer macaco jovem e inexperiente, tendo convivido por um “período indefinido de tempo” com nossos gestores, será facilmente convencido de que a repetição sistemática e com data marcada de nossas tragédias não é “fatalidade”: é deliberação! E não precisamos usar palavras difíceis como “necropolítica”, tanatofilia”, “tanatocracia”: basta chamar de... “vontade política”! Sim, a “vontade política” não é uma força volitiva, uma energia potencial capaz de fazer com que Praxis vença as forças imprevisíveis de Fortuna (Maquiavel) e que, uma vez acionada, produziria o Bem, o Justo, o Desejável. O MAL TAMBÉM EXIGE VONTADE POLÍTICA!
Quando sabemos que quase nenhum tostão (no máximo 2,3% nos melhores anos) da verba destinada à contenção, proteção, fiscalização de construções irregulares foi utilizado, a teoria à qual Roth se refere se confirma: qualquer símio pode fazê-lo, bastando para isso uma corrente e um cargo comissionado! Por outro lado, a verba destinada à publicidade da Prefeitura (além daquela, claro, destinada à compra de respiradores para porco em época de pandemia!), essa verba, repito, foi inteiramente gasta.
Quanto aos pobres, resta-lhes o destino “bíblico” de terminarem sob o fogo das palafitas (como em Sodoma e Gomorra) ou sob águas diluvianas (como em Eridu e Laraka na Suméria). Só que naquelas cidades bíblicas, a destruição se deu por castigo divino pelos pecados humanos. Não sei quais são os pecados de nossos pobres favelados e palafitados, mas sei quais são os de nossos políticos! E, nesse caso, não vejo nenhum incômodo em nomear símios para a administração, desde que sejam jovens e inexperientes: macaco velho, todos sabem, não bota a mão em cumbuca!
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Flávio Brayner é Cidadão Pernambucano, Mestre em História pela UFPE, Doutor em Educação e Pós doutor em Filosofia pela Sorbonne (FRA), Professor Titular Emérito da UFPE e ex-secretário adjunto de educação do Recife (2009-2010).
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