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Opinião

Reginaldo Rossi (parte 2): o Brega, o clássico e o popular

Por: SIDNEY NICÉAS
Nesta 2ª parte, a escritora e cineasta Geórgia Alves se aprofunda na obra de Rossi e encontra conexões importantes que transcendem o gênero Brega. Leia agora, no Blog Tesão Literário.

Foto: Patrick Silva/Fotos Públicas

28/10/2020
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*por Geórgia Alves – com Pollyanna Alves e Robson Batista

(caso não tenha lido a PARTE 1 desta série, clique aqui)

De toda a mitologia grega um dos deuses chama a atenção por sua forma imperfeita e sua história trágica. Efebo. A cabeça foi encontrada separada do corpo. Reza a lenda que por não alcançar a perfeição, o encarregado pela gigantesca escultura não concluiu o próprio trabalho senão com o gesto de loucura. Condenar à destruição a própria obra, depois de tanto lutar para alcançar a perfeição da forma. Mas ao contrário do escultor, o deus Efebo, ou Êfebo, não buscava a perfeição, mas os impulsos da natureza.

Os mais rudimentares que poderiam existir. Este período conhecido como Paidéia ficou para traz porque a iniciação de jovens guerreiros concebia pedagogos, se necessário, introduzirem infantes ao gozo da vida. A origem da palavra Pederastia compreende este período. A palavra paîs, em grego, remete a crianças e inocentes. Incluindo o sexo entre pessoas do mesmo gênero.

Uma cultura que prezava pela democracia e pelos direitos dos cidadãos e que oficialmente, sabemos por textos e registros históricos, tentou compreender cientificamente práticas sociais e o funcionamento político.

Há traços inúmeros da biografia de Reginaldo que o conectam com o clássico, embora é evidente o vínculo do trabalho com o popular e o também chamado populacho, extraído da cultura de massa. Coisa que parece característica da população da cidade do Recife hoje teve em Rossi seu grande professor. Da Boemia. Da dor de corno. Da cultura do chifre baseada na traição de amor. De homens e mulheres. O escritor e estudioso da Estética Ariano Suassuna chamou de o Feio do Belo. O riso e o risível, aspectos possíveis da Grande Beleza. E nas raízes da Sabedoria do povo, inspirou o Movimento Armorial. Longe de poder ser compreendido como parte deste Movimento, pois neles afinavam nomes diferentes, embora também ligados à Picardia, como Jota Borges, Abelardo da Hora. Ou de outro lado, Gilvan Samico, José Cláudio e o próprio filho de Ariano, Dantas Suassuna, mas ligado ao sagrado, também pela dança, o grupo Graal, na música, o compositor Antônio Carlos Nóbrega, performer.

Reginaldo Rossi, bem longe de ser do chamado Erudito ou Armorial, se encaixou num gênero próprio e se tornou Soberano. Como vimos, não tão distante dos valores cultuados pela perfeição da forma ou o vínculo com a divindade da época clássica. Só que justamente pelo caminho reverso do verso escrachado – do modo de simplificar o complicado ao extremo e reduzir tudo na dor e tomar o caminho que for meio jocoso e ir até à beira do ridículo. Características que fizeram dele popular. Reginaldo – sob sobrenome da avó italiana – tornou-se mais que um artista famoso. O criador de um gênero. Sua máxima expressão. Ele era cultuado como personalidade por outras personalidades, fica evidente no depoimento de Gabi Amarantes, artista da nova geração do Norte, do chamado Techno Brega. Seu amor incondicional pelos amigos, pela música, a Arte, também prazeres da vida, dos maiores e mais virtuosos aos mais comuns e ligados ao vício. O amor das mulheres ao abismo dos jogos de azar, um modo trágico de ser e de viver que só poderia mesmo se assemelhar aos impulsos naturais vistos e revistos pelos pensadores gregos. Dos Estoicos aos Epicuristas. Ou os chamados Hedonistas.

O debate sobre os limites entre céus e infernos. O humano, o divino e o bestial. Do amor sublime à Sabedoria. Aos instintos dos subterrâneos. Reginaldo Rossi foi amado por multidões, a falha dele, sua imperfeição, tem tudo a nos dizer sobre a incompletude e os nebulosos caminhos infernais em que estão metidas as pessoas do nosso povo. Aquela vizinha que grita com o cachorro, sua única companhia, a tia que tortura a sobrinha bonitinha, o marido que desconfia da mulher, e a legião de homens sensíveis que escondem esta característica atrás de uma robusta possessividade, mas que tem que admitir, um dia, será corno. RR e suas músicas foram reproduzidas e celebradas por artistas de outras gerações, com regravações e declarações públicas. O amor como Leitmotiv das músicas, embora também lhe inspiraram as parlendas, os contos tradicionais da cultura popular e até mesmo jogos linguísticos e figuras de linguagem, como os palimpsestos (a exemplo da música já mencionada, “Roma é Amor”). Mas sobretudo na famosa “A raposa e as uvas”, que recupera o conto clássico de Jean de La Fontaine, que remete à ideia de abdicar do desejo por imaginar que as uvas estivessem azedas. Um conto que já era popularizado em 1919. Ou seja, no início do século XX, na Grã-Bretanha. Existe alguma ciência por trás do estilo composto pelo artista.

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Geórgia Alves é escritora e jornalista. Pesquisadora e Mestra em Teoria Literária pelo Programa de Pós-graduação em Letras, da Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Literatura Brasileira, pelo mesmo programa. Há 18 anos estuda a obra de Clarice Lispector e a relação com o Recife. Tem três livros seus: Reflexo dos Górgias (Editora Paés), Filosofia da Sede (Chiado Editora, pela qual também participa de três Antologias de Poesia de Língua Portuguesa). E "A caixa-preta" (pela Editora Viseu). Participa da Coletânea de Contos do CAPA, Recife de Amores e Sombras (2017), "Cronistas de Pernambuco" (2012), da Carpe Diem, e "Mulherio das Letras Portugal" (2020). Assina roteiro e direção dos curta-metragens "Grace", do projeto coletivo "Olhares sobre Lilith", de 26 videospoemas inspirados nos poemas de "As filhas de Lilith", um abecedário de mulheres; e "O Triunfo", que recebeu vários prêmios. No Brasil e Cuba. Segundo afirma, "outros estão porvir". É professora de Arte. Ensina. Estética, História da Arte e Teoria. Orienta outros autores.

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