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Opinião

Tarcísio Pereira sendo ele mesmo: a última entrevista, o adeus

Por: SIDNEY NICÉAS
Da amizade, passando pela entrevista não consumada e o café prometido: Sidney Nicéas e o adeus ao mestre Tarcísio

Foto: Arte Tesão Literário

27/01/2021
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*por Sidney Nicéas

A morte é um troço desconcertante. Mete a mão na cara de quem fica. Às vezes brinca com a receita de Clarice e nos dana um soco no estômago. Leva quem a gente queria que ficasse mais um bocadinho. No final das contas, faz a gente ver o que é passar por aqui.

Há muito me pergunto o que deixarei quando voltar pra casa. Qual o meu legado até lá? Quando penso no desenlace do amigo Tarcísio Pereira na noite de anteontem, em decorrência da COVID-19, percebo o quanto estou longe de deixar algo sólido. Tarcísio se tornou o maior livreiro do Brasil sendo ele mesmo: um cara sorridente, aberto às ideias, sem medo de ousar. Poucos, como ele, entendiam intimamente o poder do livro, da leitura, da teia social que emana da literatura. Poucos, como ele, partem de mãos dadas com a morte – não porque queiram ir; porque sabem que podem ir.

A extinta Livro 7 era Tarcísio. E ele foi muito maior do que seu empreendimento, eleito por cinco vezes consecutivas a melhor livraria do Brasil entre os anos 1980-1990. Ele e a livraria se tornaram referência no país – e isso não é modo de dizer não. A Livro 7 e Tarcísio eram gigantes. São inúmeros os relatos de quem foi alvo da generosidade do mestre. Leitores pobres que ganharam livros. Escritores que receberam apoio inestimável em suas trajetórias. Pessoas que conheceram de perto o coração agigantado do Sr. Livro 7.

Ainda que tenha frequentado algumas vezes a livraria, conheci Tarcísio nos eventos literários da vida. Chamava-me sempre de Nicéas (conhecia bem meu tio Cléo, havia conhecido meu avô Amarílio). Havia sempre um abraço e conversas regadas a sorrisos. Só agora descobri que meu pai também o conhecia, um trato profissional nos anos 1970 quando geria a Office, agência de publicidade do meu já citado avô materno Amarílio Nicéas e que mantinha à época uma relação comercial com a Livro 7. Só agora me dou conta de uma certa onipresença de Tarcísio nesse universo do livro.

No dia 12 de setembro do ano passado combinamos uma entrevista pro Tesão Literário. E ele queria me encontrar, tomar um café e fazê-la ao vivo, Tarcísio sendo ele mesmo, o gentleman carinhoso que sempre foi. Ele estava com uma agenda atribulada diante de suas funções na CEPE Editora e pediu pra que nos encontrássemos em outubro. Desculpou-se e nesse mês também não conseguimos nos rever. No início de novembro recebi um vídeo de Tarcísio dizendo que estava com COVID-19, tranquilizando sua filha, dizendo que estava bem – havia mandado para mim por engano. Retruquei pedindo que se cuidasse e desejando melhoras, ele disse que já estava ficando bom. Foi a última vez que tive contato direto com ele (daí pra frente só pude acompanhar de longe a sua luta, a UTI, a melhora, a partida).

Seria sua última entrevista e nem sabíamos. Ficaram comigo as perguntas que formulei para a matéria, sem respostas. Ficou uma saudade estranha e um café não consumado que jamais esquecerei. Ainda sinto o estômago dorido e permaneço com dificuldade de deglutir tudo isso. A morte é mesmo um troço desconcertante.

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Meus sinceros sentimentos à família.

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